Em 1961, um jovem pesquisador e médico australiano chamado Michael Alpers iniciou uma busca com um grupo de cientistas australianos a uma doença rara que acometia nativos das altas terras a Papua Nova Guiné. Conhecida como Kuru, que significa tremer na língua dos nativos, acometia cerca de 200 por ano tendo como principais sintomas dores nas pernas, braços e cabeça, problemas de coordenação motora, dificuldade de deglutição e para caminhar. tremores e abalos musculares.
O primeiro motivo apontado pelos pesquisadores foi curioso e surgiu do desconhecimento aliado à perplexidade com aquele fenômeno, foi indicado a feitiçaria como causa.
Eis que abrimos um parêntese: Para nós da cultura Ocidental, a feitiçaria é vista como algo demoníaco. No entanto, para os povos de Papua Nova Guiné, a feitiçaria faz parte da cultura deles. Ainda hoje, acredita-se que a feitiçaria tinha um bom propósito, mas devido ao mal uso de alguns, ela foi associada à desgraças como doenças, catástrofes e mortes.
No entanto, por puro acaso, uma relação entre o kuru e o scrapie surgiu. Uma tese de que a doença neurodegenerativa que atacava os Fore( a tribo acometida pelo Kuru) pudesse ser transmitida assim como o scrapie foi feita. Após 10 anos de pesquisa, a tese foi comprovada.
Naquele momento, os Fore estavam desesperados, pois a doença estava fora de controle e os médicos parecia ser a unica alternativa. Isso, devido ao sucesso conquistado por Alpers em seu tratamento de úlceras com penicilina. Concomitantemente, o medo da doença originado pelo fato dos doentes caírem em risadas incontroláveis, fato explicado pelos Fore como a risada do demônio ao levar seus entes queridos, fez com que os pais de uma menina acometida pela doença permitissem a realização da autópsia, algo logicamente não visto com bons olhos por eles.
Mesmo com toda a dificuldade para realizar o procedimento, com a morte lenta e terrível da menina Kigea e seu pai fugindo para a selva por não aguentar mais aquela situação, o procedimento foi feita e amostras do cérebro dela foram enviadas para os Estados Unidos e células do técido nervoso foram inoculadas em chimpanzés. Estes que, após certo tempo, começaram a mostrar sinais da doença.
A descoberta mostrou que o Kuru era transmissível e, mais ainda, poderia transpor a barreira das espécies. Entretanto, a descoberta, unida com a chegada da antropóloga Shirley ao trabalho de Alpers, indicou ligação da doença com festas mortuárias.
Sim, os Fore eram praticantes do canibalismo e o faziam como demonstração final de amor aos entes queridos diante da agonia da morte. Eles acreditavam que seria desrespeitoso deixar o corpo de seus entes queridos para serem comidos por larvas ou vermes, mas que deveriam ser comidos por quem os amava.
Eis aí que temos outra descoberta, o porquê do Kuru atingir, majoritariamente, mulheres e jovens meninas. Elas eram as principais responsáveis por preparar o ritual canibalístico e saborearem o mesmo. O resultado final chegou de um depoimento de uma das nativas afirmando que o cérebro era uma das melhores partes. Assim, a morte de um familiar por Kuru resultava em seu ritual canibalístico e aumentava a incidência da doença.
Com a descoberta da causa da doença, logo foi descoberto seu agente infeccioso: os príons. No entanto, o kuru, assim como toda doença priônica, não possui tratamento ou cura. O método realizado por Alpers para diminuir a incidência da doença foi impedir que crianças participassem do ritual e, futuramente, os Fore pararam de comer os cérebros de parentes mortos.
Mas quanto à origem da doença? Relatos apontam como o Kuru sendo uma alteração da doença Creutizfledt-Jakob, em um único caos espontâneo. Para comprovar esse fato, analíses genéticas foram feitas e trouxeram uma descoberta ainda mais impressionante: a descoberta de um gene resistente ao Kuru, que impede o portador de adquirir a doença. Pesquisas provaram que, pela seleção natural, esse gene foi transmitido para parte da população.
Dessa forma, a doença foi desvendada e Alpers passou sua vida nesse projeto. No entanto, o medo das doenças priônicas ainda existe e a preocupação de novos casos de Kuru é constante, talvez um acidente genético possa fazer voltá-lo.
Em um contexto mais amplo, o Kuru pode ser associado ao Mal de Alzheimer e de Parkinson. Isso, pois todas essas doenças evolvem acumulo de proteinas, havendo uma proteína errada no corpo.
Para informações adicionais fora do campo de prions, acesse: http://fomedebioquimica.blogspot.com.br/
Fonte:
http://oaprendizverde.com.br/2013/11/24/kuru-a-doenca-dos-canibais/
http://www.conteudosaude.com.br/pt/site_extras_detalhes.asp?id_tb_extras=19149&id_parent_categorias=9237
Interessante ressaltar que estes príons levam a alterações nas células nervosas, com consequente formação de tecido cerebral anormal, ocasionando lesões progressivas e incuráveis no cérebro. Foram descritos três estágios da febre Kuru, de acordo com a evolução das manifestações clínicas: fase ambulatorial (caracterizada por tremores generalizados, perda de coordenação dos movimentos, disartria e presença de danos cerebrais incipientes); estágio sedentário (perda de capacidade de deambular de modo independente, tremores mais severos, ataxia e sintomas psiquiátricos - instabilidade emocional, depressão e bradipsiquia - . Nesta fase, a degeneração muscular ainda não é evidente e os reflexos tendinosos encontram-se preservados); fase terminal (perda da independência, ataxia severa, tremores, disartria, incontinência urinária e fecal, disfagia, ulcerações cutâneas e convulsões que levam à morte).
ResponderExcluirO caso relatado retrata, de certa forma, o quão importante é para o médico (ou, no caso, o cientista) levar em conta aspectos culturais - os mais distintos possíveis - no processo de busca de um diagnóstico. Quem sabe, uma análise mais minuciosa do ritual de canibalismo não pudesse ter evidenciado a ligação entre os pacientes mais afetados e aqueles que mais participavam dos rituais (meninas e mulheres), o que teria antecipado a chegada à solução. É importante ressaltar que o problema da "estranheza cultural" muitas vezes é recíproco (o que também foi ilustrado no caso em questão), o que ocorre quando o paciente prefere fazer mão de recursos não médicos para o tratamento de doenças, e adiam a busca por um profissional até não mais poderem.
ResponderExcluirDiferentemente dos kurus, nossa cultura preza o acolhimento à alma, logo o ato de enterrar nossos familiares para se tornar algo memorável à imagem daquela pessoa é algo de extrema importância. Não levamos em conta o aspecto biológico do enterro (degradação por seres vivos), mas que fique claro que toda a cultura deve ser respeitada e todos os princípios valorizados, apesar dela ter ocasionado a febre kuru.
ResponderExcluirUma curiosidade interessante sobre o kuru é que ele já foi associado à má feitiçaria, tamanho o efeito deletério e desconhecido da doença. Provavelmente essa hipótese foi auxiliada por um sintoma da doença: o "riso permanente". Pessoas com kuru terminal perdem controle de alguns tipo de musculatura, dos quais cita-se os músculos da mimica responsáveis pelo sorriso, o que era atribuía à pessoa uma aparência de tiso permanente, chamado, na época, de "riso do diabo".
ResponderExcluirAs pesquisas dos médicos os levaram a novas e incríveis descobertas. Eles descobriram que o príon era o agente infeccioso do Kuru (agente infeccioso composto principalmente de proteína). E, atualmente, todas as doenças conhecidas de príons afetam a estrutura de cérebro ou do tecido neural, e todas são incuráveis e fatais. A descoberta foi uma reviravolta para comunidade científica, já que era a única doença epidêmica conhecida de príon a atacar seres humanos.
ResponderExcluirA doença possui, basicamente, três estágios:
ResponderExcluir1) Fase ambulatorial: caracterizada por tremores generalizados, perda de coordenação dos movimentos, disartria e presença de danos cerebrais incipientes.
2) Estágio sedentário: perda de capacidade de deambular de modo independente, tremores mais severos, ataxia e sintomas psiquiátricos (instabilidade emocional, depressão e bradipsiquia). Nesta fase, a degeneração muscular ainda não é evidente e os reflexos tendinosos encontram-se preservados.
3) Fase terminal: perda da independência, ataxia severa, tremores, disartria, incontinência urinária e fecal, disfagia, ulcerações cutâneas e convulsões que levam à morte.
Uma vez que a reação em cadeia do príon é iniciada ela mesma se perpetua e a sinapse pode ser mantida depois que o “gatilho” inicial cessou, talvez por toda a vida. Isso, no entanto, ainda não explica como o primeiro príon é ativado, ou por que isso só acontece em certas sinapses e não em outras.
ResponderExcluirUma resposta vem do trabalho de Si com moscas-das-frutas, postado em 11 de fevereiro no site científico PLoS Biology. Sexo e, em particular, o comportamento de cortejo masculino, são um reino ideal para testar a memória.
Se uma fêmea não se mostrar receptiva, o macho se lembrará disso e não vai mais tentar cortejá-la. Anteriormente, a equipe de Si mostrou que se a versão da CPEB da mosca, chamada Orb2, é alterada para não poder mais agir como um príon, o inseto se lembra brevemente de que a fêmea não é receptiva, mas essa memória se apaga no decorrer de poucos dias.
Temos que perceber que a infecção por príons ocorreu devido esses povos serem canibais. O Kuru é uma doença que foi descrita na década de 50, sendo a primeira das causadas por príons cujo modo de transmissão foi totalmente elucidado, graças ao estudo in locu e experimentações laboratoriais em chimpanzés. De ocorrência restrita a algumas tribos canibais da Nova Guiné, esta tinha como modo de transmissão o contato através de feridas abertas e a ingestão de carne humana contaminada. Como o tecido muscular era restrito à alimentação dos jovens guerreiros; as vísceras, ossos e tecido nervoso eram destinados aos idosos, mulheres e crianças - os principais acometidos pelo kuru. Acredita-se que uma mutação espontânea fez com que um aborígene destas tribos adquirisse um príon mutante infeccioso e que, graças a estes rituais, se disseminou em tais populações.
ResponderExcluir